Meus tempos de criança
Rostand Paraíso
Pulávamos
os muros e ganhávamos os quintais das casas vizinhas, enormes e cheias
de fruteiras e de toda a sorte de animais, gatos, cachorros, galinhas,
patos, marrecos e outros mais. Chupando mangas, gostosas mangas,
mangas-espada, mangas-rosa e manguitos, esses quase sempre os mais
saborosos, dividíamos os times e organizávamos as peladas de fundo de
quintal que exigiam grande malabarismo de nossa parte, com as frondosas
árvores para driblar e grandes irregularidades no terreno para
contornar.
Usávamos "bolas de meias", preparadas por nós mesmos com papel de jornal compactado
e colocado dentro de uma meia de mulher, mas já começávamos a usar
bolas de borrachas e as "bolas-de-pito", que eram bolas de couro, com
pito para fora e que tínhamos o cuidado de envergar para dentro, para
evitar arranhaduras.
Gostosas,
memoráveis tardes que se prolongavam até a noitinha, parando-se apenas
quando não havia mais sol e quando não podíamos mais ignorar os gritos
que vinham de nossa casa, para tomar banho, mudar de roupa e ir jantar.
As
mesmas misteriosas ordens faziam-nos começar a desengavetar nossos
times de botão para a temporada que iria se iniciar. Os botões eram
polidos e engraxados.
Descobríamos,
nos botões das capas e dos jaquetões e, também, nas tampas de remédios,
promissores craques. Nossos pais começavam a estranhar, sem encontrar
qualquer explicação para fato, o desaparecimento das tampas dos xaropes e
dos botões das roupas. Esses craques em potencial, novos valores que
surgiam, eram devidamente preparados e passávamos dias a lixá-los e,
para lhes dar mais peso e maior aderência à mesa, a enchê-los com
parafina derretida. Trabalho que levava às vezes algumas semanas, os
novos craques sendo testados exaustivamente até que nos déssemos por
satisfeitos e os considerássemos prontos e aprovados para as grandes
competições pela frente.
Os
botões de chifre, preparados pelos presos da Casa de Detenção, onde
íamos comprá-los, começavam, pela sua robustez e pela potência de seus
chutes, a ganhar
nossa preferência. Não gostávamos, porém, daqueles botões que vinham do
Sul, de plástico, todos iguais, diferençando-se uns dos outros apenas
pelas "camisas" que traziam coladas sobre si, com as cores dos clubes
cariocas. Preferíamos, nós mesmos, pregar as cores do nosso time
preferido, no meu caso o Santa Cruz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário