segunda-feira, 30 de julho de 2012

Texto



Meus tempos de criança
Rostand Paraíso
Pulávamos os muros e ganhávamos os quintais das casas vizinhas, enormes e cheias de fruteiras e de toda a sorte de animais, gatos, cachorros, galinhas, patos, marrecos e outros mais. Chupando mangas, gostosas mangas, mangas-espada, mangas-rosa e manguitos, esses quase sempre os mais saborosos, dividíamos os times e organizávamos as peladas de fundo de quintal que exigiam grande malabarismo de nossa parte, com as frondosas árvores para driblar e grandes irregularidades no terreno para contornar.
Usávamos "bolas de meias", preparadas por nós mesmos com papel de jornal compactado e colocado dentro de uma meia de mulher, mas já começávamos a usar bolas de borrachas e as "bolas-de-pito", que eram bolas de couro, com pito para fora e que tínhamos o cuidado de envergar para dentro, para evitar arranhaduras.
Gostosas, memoráveis tardes que se prolongavam até a noitinha, parando-se apenas quando não havia mais sol e quando não podíamos mais ignorar os gritos que vinham de nossa casa, para tomar banho, mudar de roupa e ir jantar.
As mesmas misteriosas ordens faziam-nos começar a desengavetar nossos times de botão para a temporada que iria se iniciar. Os botões eram polidos e engraxados.
Descobríamos, nos botões das capas e dos jaquetões e, também, nas tampas de remédios, promissores craques. Nossos pais começavam a estranhar, sem encontrar qualquer explicação para fato, o desaparecimento das tampas dos xaropes e dos botões das roupas. Esses craques em potencial, novos valores que surgiam, eram devidamente preparados e passávamos dias a lixá-los e, para lhes dar mais peso e maior aderência à mesa, a enchê-los com parafina derretida. Trabalho que levava às vezes algumas semanas, os novos craques sendo testados exaustivamente até que nos déssemos por satisfeitos e os considerássemos prontos e aprovados para as grandes competições pela frente.
Os botões de chifre, preparados pelos presos da Casa de Detenção, onde íamos comprá-los, começavam, pela sua robustez e pela potência de seus chutes, a ganhar nossa preferência. Não gostávamos, porém, daqueles botões que vinham do Sul, de plástico, todos iguais, diferençando-se uns dos outros apenas pelas "camisas" que traziam coladas sobre si, com as cores dos clubes cariocas. Preferíamos, nós mesmos, pregar as cores do nosso time preferido, no meu caso o Santa Cruz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário